quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Lya Luft - O silêncio dos amantes

"Sem que eu soubesse, as coisas não ditas haviam crescido como cogumelos venenosos nas paredes do silêncio, enquanto ele ficava acordado na cama, fitando o teto, como branco dos olhos reluzindo na enumbra. Se eu o interrogava, o que você tem amor? ele respondia que não era nada, estava pensando no trabalho. A gente sabia que era mentira, ele sabia que eu sabia, mas nenhum de nós rompeu aquele acordo sem palavras. Nunca imaginei o mal que o roía. Era impossível qualquer coisa tornar a morte algo melhor do que tudo tínhamos. Isso era o que eu achava. Ele também falava pouco no passado, a infância numa cidadezinha do interior, o monte de irmãos, os pais morrendo cedo, ele responsável pelos menores. Haveria ali, com uma raiz venenosa, alguma coisa tão triste que o levava a querer morrer?" (Transcrito no Estadão)

"Cogumelos venenosos nas paredes do silêncio" é uma imagem fantástica para o silêncio que corrói, destrói e mata relacionamentos. Silêncio que fala muito alto...que grita com uma voz estridente e insurpotável...
É isso...ultimamente, refletindo sobre silêncio, cheguei a conclusão (nada de novo, claro!) de que existe o silêncio bom (deveríamos aprender com os budistas sobre esse silêncio, sobre quietude...) e existe também o silêncio venenoso que machuca, destrói e mina pessoas...
Será que poderíamos fazer um linking entre esse silêncio com as palavras medo, egoísmo e covardia? Acredito que quando ficamos em silêncio, quando nos recusamos à comunicação tem uma mistura desses três tipos de cogumelos venenosos...e quem morre primeiro? Nós! Envenenados morremos aos poucos...o tolo quando se cala passa por sábio...no entanto, esquecemos que mesmo calado ainda é um tolo!
Há tempo para tudo: tempo de falar, tempo de calar --- o silêncio que mata é quando deveríamos falar e nos calamos! Por quê nos calamos? Queremos proteger nossa zona de conforto? Queremos nos esconder da vida? Não queremos enfrentar a realidade? Não Viver? É...isso é estar morto...escolher se esconder, não viver, não enfrentar...mortos vivos - Qual é o meu nome? Qual é o seu nome?
Jesus nunca se calou quando era necessário falar...e nunca falou quando era necessário calar...vamos aprender com o Mestre...o fato é que a Sua comodidade nunca era o motivo de calar ou falar...mas o próximo...sempre o amor ao outro era o que definia se calava ou falava.
Que Deus nos dê coragem e amor para nunca ficarmos em silêncio quando é necessário falar.
xoxoxo

CARTA – Carlos Drummond de Andrade - Ainda sobre silêncio...

Bem quisera escrevê-la com palavras sabidas, as mesmas, triviais, embora estremecessem a um toque de paixão. Perfurando os obscuros canais de argila e sombra, ela iria contando que vou bem, e amo sempre e amo cada vez mais a essa minha maneira torcida e reticente, e espero uma resposta, mas que não tarde; e peço um objeto minúsculo só para dar prazer a quem pode ofertá-lo; diria ela do tempo que faz do nosso lado; as chuvas já secaram,as crianças estudam,uma última invenção(inda não é perfeita) faz ler nos corações, mas todos esperamos rever-nos bem depressa. Muito depressa, não. Vai-se tornando o tempo estranhamente longo à medida que encurta. O que ontem disparava, desbordado alazão, hoje se paralisa em esfinge de mármore, e até o sono, o sono que era grato e era absurdo é um dormir acordado numa planície grave. Rápido é o sonho, apenas, que se vai, de mandar notícias amorosas quando não há amor a dar ou receber; quando só há lembrança, ainda menos, pó, menos ainda, nada, nada de nada em tudo, em mim mais do que em tudo, e não vale acordar quão acaso repousa na colina sem árvores.

Contudo, esta é uma carta.


(Antologia Poética. 26ª. ed.Rio de Janeiro: Record, 1991, p.74-6)